sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Amigas do Cancro

Aquando do diagnóstico, encontrar outras pessoas afectadas pelo cancro como nós pode ser difícil. Chegar a essas pessoas pode ser ainda mais difícil. Mas se no hospital, um grupo de apoio (havendo-os) ou online, há o potencial de amizades que nunca teriam existido sem o cancro, então é isso que os torna tão especiais.
Parte de ser diagnosticado com cancro é estar a receber uma rede social que nunca se quis. Deixem-me explicar. Eu fui diagnosticado com Cancro de Mama há menos de dois anos com 37 anos de idade. Até esse ponto eu não tinha amigos que soubessem o que eu estava a passar. Não me interpretem mal, eu tenho amigos incríveis. Alguns amigos estiveram a meu lado a cada passo do caminho. De algum modo, eles não eram o suficiente. Faltava algo.
Nenhum dos meus amigos compreendia completamente os medos que se formavam no fundo de mim, aqueles que me mantinham acordada à noite. Perguntas como: irei sobreviver para ver os 38 anos? Como será a quimioterapia? A cirurgia vai doer? Será que vou me recuperar e ser novamente eu?
Depois de admitir que me sentia perdida no meio de livros, artigos de internet, profissionais médicos, sonhando com grupos de apoio inexistentes e bombardeada por histórias de Avós e Tias Avós que morriam de Cancro de Mama... lá me resignei! – Não é isto que preciso!!!
Necessitava de pares, de pessoas que fossem como eu me sentia:  pessoas jovens,  fortes, positivas e capazes, eu precisava de pares na minha faixa etária e se possível na minha doença! Ou seja, uma raridade absoluta!!!
Sorte para mim, encontrei um grupo de sobreviventes online e internacional, a maioria na minha faixa etária através do Facebook.
Eu sempre necessitei de um grupo presencial… mas, não encontrei; e à falta de melhor comecei a entrosar naquele.
“Conheci” gentes fascinantes, lutadoras que me inspiraram e mostraram que o que ai vinha era um caminho repleto de espinhos… mas eu sou pessoa que odeia mentiras, soube-me bem ter o jogo aberto de inicio!
Fui recolhendo informação, sabendo as regras do cancro, para que ele não me apanhasse na curva… e fui-me informando, ao mesmo tempo, com os velhos livros, artigos da internet e profissionais de saúde (que por vezes pouco sabem da vida real).
Fiz amigas, umas para a vida… vi muitas recidivarem, outras padecerem. Celebram-se Cancerniversários e exames limpos. Nascimentos e casamentos pós tratamentos. Vivemos na sombra de uma doença grave, mas sabemos bem aproveitar o 2º acto que nos foi dado na vida, nalguns casos… já 3º ou 4º…
Quando em Copenhaga, na Conferência da ESMO no meu treino como Patient Advocates de Breast Cancer e percebi que eram todas sobreviventes do cancro da mama, e a maioria tão ... jovens… que apesar das mazelas que confessavam (algumas já com metástases até) pareciam, saudáveis, pensei:
- Estas mulheres sobreviveram ao Cancro!!!
 - Eu sobrevivi ao Cancro!!!
Se não tivesse sido completamente estranho e esquisito, eu teria-me ajoelhado naquele instante e  beijado o chão; cheguei a chorar lágrimas de alegria. Durante uns minutos nenhuma de nós   sequer abriu a boca para compartilhar as suas histórias. O momento era grande e importava.
Por minutos, olhando umas para as outras, apenas visualizámos a Esperança!
Após batalhar para chegar àquele momento recebi o que sempre precisei. O que eu fui fazer à Dinamarca foi tornar-me numa Patient Advocate, sim! Mas acima de tudo, foi voltar ao inicio do processo. Fui buscar o meu sentimento de pavor, de incapacidade, de solidão e resgatei-o para aquele momento.
Ali eu, com o meu diagnóstico; ali eu tantos kms depois, tantos meses depois, tratada, sobrevivente dum cancro; ali eu, finalmente acompanhada pelos meus pares! 
Finalmente não estava só, pertencia a algo maior!
Depois de tanto procurar, consegui sentir, estar junto e partilhar a emoção com outras doze jovens adultas sobreviventes como eu… Com vidas interrompidas, com corpos com formas diferentes das originais, com filhos umas, outras a quem o cancro as privou dessa experiência…
Estávamos ali (e outras pessoas se juntaram também), e foram 4 dias que me curaram a alma!
O tempo foi passando e ainda não saiu de mim o desejo de criar um grupo de apoio presencial a quem sofre desta doença. Não quero que uma mulher tenha que batalhar tanto como eu fiz para conseguir chegar àquela conexão especial que ninguém mais pode entender.
O melhor dos grupos de apoio, é que cada uma de nós é tão diferente - origens diferentes, crenças diferentes, vidas diferentes - que custa a crer que, fora das redes do Cancro, alguma de nós teria se encontrado e se tornado amiga.
Actualmente já participo em mais grupos, que não exclusivamente da minha doença especifica e encontrei-me pessoalmente com outras sobreviventes, o que é para mim, sempre um presente fantástico. Sinto-me abençoada e inspirada quando conheço pessoas a quem a doença não tira a faisca de viver e que mesmo assoberbadas lutam, lutam, lutam e nunca baixam a guarda!
Os meus sentimentos são algo mistos, sobre as muitas mulheres que encontram os  grupos de apoio online que frequento. Entristece-me o visível numero crescente de pessoas de mulheres com a doença, e também estou grata que elas encontrem o tipo certo de apoio. Gosto tanto de ver as amizades do grupo começar a ser ser saudável de novo, a namorar, casar, ter bebés e adoptar bebés. Há também o lado mais difícil. Eu perdi algumas amigas, ou outras voltam a passar por processos horríveis novamente… Em amizade estamos cá para nos apoiarmos!
É tudo parte da rede social do Cancro e da louca aventura chamada Vida.
Todos nós sabemos o quanto o Cancro pode roubar. É uma lista gigante.
No entanto, há algumas coisas nesta minha viagem do cancro das quais eu nunca desistiria, e são minhas relações do cancro: aquelas amigas incríveis que eu fiz ao longo do caminho, as amigas que estão aqui comigo hoje!
As mulheres me inspiraram e ensinaram que sim, podemos lutar!
Sem elas, o Cancro teria juntado o sentimento de Esperança à lista de coisas que me roubaram, mas com os exemplos que tive, fui imunizada e armaram com confiança, segurança e unidade. Mesmo que tenha acontecido sob circunstâncias menos do que desejáveis, Eu tenho que agradecer ao Cancro, por tantos soldados à minha volta, tão queridas, fortes e com boa vontade!

Pensando bem, às vezes acho que esta irmandade foi o melhor que me podia ter acontecido e o pior que podia ter acontecido ao Cancro… Porque Juntas somos sempre mais fortes!


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

2º Congresso Nacional de Sobreviventes de Cancro.

Bom Dia!
Em Novembro passado, fui a Coimbra pela ocasião do 2º Congresso Nacional de Sobreviventes de Cancro.
O evento de dois dias foi organizado pela zona Centro da Liga Portuguesa Contra o Cancro e contou com diversas participações tanto de Médicos, Profissionais de Saúde, como de Advogados a Juízes, Jornalistas a Patient Advocates - Protetores dos Diretos dos Doentes, voluntários, entre tantos outros...
Apesar de, no resumo, eu aparecer identificada como ..."Jurista", lamento imenso não ter sido antes identificada como Patient Advocate, ou a tal tradução, pois foi para isso que lá fui!!!
Para dar a conhecer a "Lei da Segurança Social" e o quanto é cega e ingrata no que diz respeito aos Doentes Oncológicos... MAIS, para ganhar Quórum e número... peso e forma para conseguir combater as injustiças que se cometem diariamente neste País lindo, mas tão, tão cheio de desconhecimento acerca dos seus Direitos, Liberdades e Garantias!
Este é o meu Trabalho!!! Este é o meu Sonho!!! Isto é o que me Move!!!
Um Dia todos os Doentes e Cuidadores vão ser tratados com EMPATIA, JUSTIÇA e PLENO conhecimento dos Seus DIREITOS e GARANTIAS!
Tendo acesso ao melhor tratamento e à melhor proteção possível!
Muito tem que MUDAR! A começar por RISCAR esta alínea acerca do "prazo de garantia" para baixas médicas no caso de doentes oncológicos!!!
URGENTE!!!




segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O "toque" cirúrgico de uma criança!


Ontem à noite, ao aconchegar a minha Margarida de 5 anos na cama disse-me ela, por entre beijinhos e abraços...
"- Sabes, Mamã... Tenho saudades de quando esfregavas a tua cabeça na minha cara e estava lisinha, de quando te dava beijinhos na careca!"

Eu sempre assumi a minha doença, o meu tratamento e a minha careca! Os miúdos sempre acharam imensa piada ao facto de eu estar sem cabelo e, talvez porque para mim nunca foi drama, para eles também não... mas já há pouco mais de 1 ano que tenho cabelo - é bastante tempo!

Retomou...
 "- Sei que vais ficar chateada, mas eu sei que vais voltar a ficar carequinha e eu não vou ficar zangada contigo! Vou gostar tanto de te abraçar e de te dar miminhos quando estiveres assim, lisinha!"
Dei-lhe um abraço esmagador e respondi: "Zangada porquê? Fico feliz por gostares de mim de todas as maneiras assim como eu gosto de ti - SEMPRE!"

Aninhei-a, mais um pouquinho e sai do quarto. Mesmo a tempo das minhas pernas perderem a força e eu cair sobre elas.

São coisas de criança, claro! - Mas a clareza e a facilidade com que os nossos filhos conseguem ver o nosso coração para além das palavras é realmente tão fantástica quanto capaz de me deixar assoberbada!

Serei eu tão transparente ou ela tão cirúrgica???